“Meu
menino Deus, aqui vós ficais,
Até para o
ano se vós nos deixais.
Se vós nos
deixais damos graças a Deus –
Minha Nossa Senhora, e o Senhor Santos
Reis.......”
A criação extensiva de gado
exigia, claro, áreas extensas. Assim as células familiares ficavam distantes; também as casas guardavam entre si
gleba suficiente para a pastagem
de cada rebanho.
A necessidade destas “lonjuras”
proporcionou uma convivência entre senhores e escravos mais
humanizada,
a natureza da atividade dispensa a senzala, muito diferente da sociedade das regiões da monocultura. Da cana
de açúcar ao café, passando pela mineração.
O Natal não se resumia a uma noite, um
dia. O Natal era o ponto do encontro
entre familiares, conhecidos, amigos. A
casa de um dos membros do clã, em cada localidade, como se eleita para a
celebração, de modo vitalício. Casa cheia:
redes de coloridos variados enfeitando a todo ambiente – dos quartos,
salas, varandas e até terreiros. Os parentes mais distantes, às vezes de outras
províncias, outros estados (depois), chegavam com uma semana, 15, 20 dias de
antecedência. Noites a fio os de mais perto, em visita. As crianças mudavam-se:
conhecer os tios, os primos, os parentes. A festa, o Natal, em suma era a
humanização da mistura social – senhores e escravos; pobres e ricos;
fazendeiros e vaqueiros; a aproximação das idades; o ponto de partida da
continuação dos laços familiares. Os primeiros sinais da força hormonal; as
primeiras manifestações amorosas; a continuação iniciada no Natal passado; as
manifestações inocentes nas cantigas de roda.
-
Eu
pisei na cobre verde,
A cobra verde é um bom sinal,
É um bom sinal, é um bom sinal.
Traz o amor espanta o mal.
Quanta
inocência, quanto sonho. – Desfeitos, não raro.
O Natal trazia também para as meninas
uma dose de dor. Naquelas noites muitas mocinhas – 14, 15 quando muito 17 anos -
eram dadas em casamento a homens viúvos, via de regra já velhos. Promessa sem
volta - salvo pelo acudimento da morte. Seus pais, pela preservação do prestígio,
pela soma das fortunas ofereciam as filhas em casamento, indiferentes aos
apelos das vozes juvenis a ecoar no terreiro, amores desfeitos; promessas de
novos amores;
-
Os
olhos da cobra é verde,
Só hoje que arreparei,
Se arreparasse a mais tempo
Não amava quem amei
Menina dos olhos
pretos,
Não olha pra mim
chorando,
Mode o povo não
dizer –
Que nós tamo
namorando!
..................................
Os preparativos também se iniciavam há
dois três meses, ou mais: os doces de frutas e misturas variadas; a variedade
enorme de produtos do leite; as iguarias de carnes incontáveis – carne seca de
animais de tantas espécies; as lingüiças de feitura e sabores incontáveis.
Ah! Mas nada se iguala ao gosto no
preparo das bebidas. Os licores de frutas existentes em toda a redondeza. Os
gracejos em torno de cada. Os licores dosados com “pau-ferro”; pau-tenente;
com
pitadas de catuaba........
As pessoas com algum dote artístico se punham mês inteiro a
fazer as figuras de santidades e animais para montar a Lapinha. Oportunidade em
que algumas crianças despontavam com habilidade, jeito e cuidados especiais.
Usava-se quase sempre o barro, (por isto o nome barroco); e na feitura de algum
apetrecho, madeira mole. Figuras tocas no acabamento, sem colorido, ou quase
sem.
Raramente há lua cheia no Natal. O
despontar da lua indica a hora de iniciar o terço.
As rezadeiras – entram, ocupando seus
lugares, mais próximo ao altar, numa boa distância das santidades. As mulheres,
de todas as idades, dentro da sala enorme; os homens fora, no terreiro,
rodeando uns; outros mais distantes “remuendo” memórias de feitos, de saudades.
As velas em cordão, pavios envoltos
por cera de abelha de espécie diversa, proporcionam também, ao irem queimando,
colorido e aroma variado.
O consumo de licores e paçocas de carnes e de frutas, por tantas
horas, não foi suficiente para dar ao
terço beleza, plástica e entusiasmo, como convém o encerrar de um ano de
fartura e saúde regular.
A dona da casa desejosa de retribuir, em louvores, ao Menino Deus as graças
alcançadas,
convida
às rezadeiras a inverter os papéis:
-
Ôh!
Comadre, acho que a Santa dos Preto
Gato, Nossa Senhora das Candeias, quer a abertura, deixa ela.
E a melodia mais bonita dos Bem-Ditos do Brasil ecoa,
era como se a chegada se desse de dentro
para fora; como se a partida fosse de fora para dentro: todo espaço
ocupado; os corações abertos à devoção.
Ali, no sertão do Nordeste do Brasil, as santidades
e divindades se misturaram. Misturados também estavam os homens e as mulheres.
As crenças, as devoções passando ao largo das diferenças raciais, sociais, econômicas.
A rudeza dá lugar a um ponto mais alto na civilização humana.
“Bendito louvado seja, a luz que nos alumeia,
Valei-me Nossa Senhora,
Oh! Mãe de Deus das Candeias (voz por dentro)
-
Valei-me Nossa Senhora, (voz por fora).
-
Oh! Mãe de Deus das Candeias
.............................
A
aristocracia do nordeste pastoril destinara Nossa Senhora das Candeias ao
domínio dos seus escravos. Sem nenhum desmerecimento para com Nossa Senhora do
Rosário, encarregada
a assistir
ao homem escravizado, desde 1409, pela Igreja Católica, na Alemanha.
Como que por milagre, é chegada a hora da mais absoluta sublimidade, a
meia noite, a hora do nascimento da vida, dos deuses, da santidade. Em fim – da
Criação. E todas as vozes, todos os peitos arfam a força e o sentimento de um
abraçar a céus e terras; pessoas e animais; o conhecido e o desconhecido; o
saber e a inocência. À meia noite Ecoa o Bem-Dito.
-
Bateu
asa e contou galo,
Respondeu
a mãe de Deus,
Quem
canta nestas alturas
É o
nosso Menino Deus
(voz por dentro)
É o
nosso Menino Deus (voz por fora).