Autobiografia não autorizada de Maria Quem - Tiro 3

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André Gonçalves · Teresina, PI
3/2/2008 · 99 · 3
 


Minha mãe, que chamava Edilene e era puta, chegou na Passarinha aos quinze. Olho roxo, trouxa nas costas, sandália havaiana e arrastando um farrapo que, dizia Meire Elen, a dona da Passarinha, era o que sobrava da vida dela. Um farrapo cor de rosa, manchado de azul e com cheiro de naftalina. Meu avô, pai da minha mãe, era crente da boca pra fora e filho da puta igualzinho ao meu pai da boca pra dentro. Ele descobriu que ela perdeu o cabaço e meteu a mão na cara dela, o pé na bunda dela e a boca no mundo, gritando da janela pro bairro inteiro ouvir “essa cadela é uma ímpia e só faço a vontade do Senhor: se queres cair na vida, que a vida caia sobre Vós”. Meu avô, pai da minha mãe, inventava coisas e dizia que elas estavam na Bíblia, só que ninguém nunca achava. E era tão filho da puta, tem dias que penso até que mais filho da puta que meu pai, que quem contou pra ele que minha mãe tinha perdido o cabaço foi a Gorete. Gorete era casada com o Gonçalo do Peixe, mas tinha um caso com meu avô, o pai da minha mãe. E quem comeu minha mãe foi o marido dela, o Gonçalo, e ela, pra se vingar, contou pra ele, meu avô, que primeiro quis matar o Gonçalo mas lembrou que o Gonçalo já tinha puxado cana por ter matado um outro amante da Gorete e preferiu descontar na minha mãe. Meu avô, além de crente da boca pra fora e filho da puta da boca pra dentro, era covarde. Mas minha mãe não. Minha mãe tinha coragem. E se era pra sair pra vida, ela saiu. Minha mãe, que chamava Edilene e era puta, chegou na Passarinha. Aos quinze. Olho roxo. Trouxa nas costas. Sandália havaiana. E arrastando um farrapo. Que, pensando bem, Meire Elen tinha razão: o farrapo era o que sobrava da vida dela. Um farrapo cor de rosa, manchado de azul e com cheiro de naftalina.

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Autoria
André Gonçalves
Teresina - Piauí
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Cintia Thome
 

André

Este 3 está nteressantíssimo, tenho guardado teus postados
admiro muito teu jeito inteligente de colocação ímpar.
abçs e aguardo outros

Cintia Thome · São Paulo, SP 2/2/2008 22:10
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Falcão S.R
 

Achei muito interessante esse texto, e fiquei pensando: Quando o pai tem um filho garanhão, ele fica todo empolgado em dizer para geral. Quando é a filha , ele machista p/ kct. não sai dizendo para todos: - Minha filha é a maior, já deu para todos do bairro!". Isso é covardia!!!! - Valeu amigo! Deixei meu voto para o texto. Abraços

Falcão S.R · Rio de Janeiro, RJ 3/2/2008 17:30
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Pedro Monteiro
 

Pois é, Amigo.
É a vida como ela é!
Belo texto.
Abraços

Pedro Monteiro · São Paulo, SP 20/4/2008 20:41
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