I
De cima da ladeira eu ficava espiando a várzea, de cócoras, os cotovelos apoiados nos joelhos, o queixo apoiado na palma das mãos. Era o meu momento de reflexão. Eu não enxergava nada daquilo que meus olhos viam. O capim rasteiro lá embaixo, o gado caprino ruminando, a encosta coberta de árvores secas, poucas folhas amareladas, era o meu pedaço de mundo e no íntimo eu sabia que não viveria ali para sempre. Eu ficava vendo o sol esconder-se por trás da serra, lentamente, como se brincasse comigo de esconde-esconde. Por trás de uma cortina vermelha que só mais tarde eu vim saber que se tratava do arrebol. O entardecer recaía com enfado. Meus olhos curiosos vagavam sem saber o que buscavam. Eu me perguntava se os limites do mundo eram aquela linha acima da serra. E se fosse, o mundo então teria a forma de uma concha. Eu olhava em volta e tinha certeza que era a forma de uma concha. E tanta coisa cabia dentro dessa concha! Até que o mundo não era tão grande assim. Se eu corresse rente à linha, chegaria ao mesmo lugar em poucas horas. E se fosse no Baixinho então...! Eu me voltava para o Baixinho e ele ruminava o capim quase seco, distraidamente. Tinha sido a melhor coisa dos meus últimos dias. Meu pai garantira que seria o meu cavalo para sempre. No fundo eu não acreditava muito, mas gostava de estar me enganando. A gente gosta de se enganar na maioria das vezes. Mas o Baixinho era o cavalo que eu sempre quisera ter: manso, peludinho, olho morto, como quem está sempre morrendo de cansaço. Como eu ficava algumas vezes depois de uma daquelas tardes quentes de mormaço. E talvez não. Talvez o Baixinho não agüentasse dar uma volta ao mundo, rente àquela linha por onde o sol se escondia. Engraçado!... O sol que me agoniava todo dia de tanto calor deixava sempre um vazio depois que se ia. A noite nunca me era bem-vinda. Era a hora de os monstros das histórias de Dona Amara aparecerem uivando em derredor das casas. Eu me cobria dos pés à cabeça, mas a sensação de que estivessem me observando bem de perto era de dar um nó na barriga. Eu tinha de parar de ouvir essas histórias de Dona Amara. Mas as noites de lua cheia eram irresistíveis!
Kasinsky
me perguntava se os limites do mundo eram aquela linha acima da serra. E se fosse, o mundo então teria a forma de uma concha.
Pois é. A gente cresce, o mundo se alarga, e a gente fica meio
perdido. E de vez em quando a gente lembra quando a gente conhecia o mundo inteiro e isto, era, de certo modo, gratificante.
Bela nostalgia
Um abraço
Isso mesmo,Edimo - gratificante!Éramos talvez mais felizes quando tudo o que queríamos era simplesmente o mundinho em que vivíamos.
Um abraço!
Meus sinceros agradecimentos a vós poetas, Cintia,Ailuj e Alcanu. Um abraço!
Kasinsk · Embu, SP 27/10/2008 20:18Para comentar é preciso estar logado no site. Fa�a primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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