LOURDES TEODORO (1946) nascida em Formosa, Goiás, reside em Brasília desde 1959. Escreve e publica desde a adolescência e já foi Incluída em antologias poéticas no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos. É doutora em Literatura Comparada pela Universidade de Paris, Sorbonne, e autora de quatro livros de poemas: Água Marinha ou Tempo Sem Palavra(1978) e Canções do Mais Belo Pecado(1996) são dois deles.
à sombra dos embondeiros do recife V
toma da máscara
a forma exata,
veste tua real aparência,
medita.
deixa cair
a suposta essência,
sê trigo e coquelicot:
aceita a passagem gratuita
da brisa
dorme, que sonharei contigo.
à sombra dos embondeiros do recife VI
carta sem destinatário.
não sou trezentos,
tampouco tenho em mim todos os sonhos do mundo;
custa-me ajeitar os ombros,
com todo esse peso das mãos de uma criança,
querendo eternamente ser em mim.
dancei na praça:
os meninos de rua
soltaram o corpo comigo,
súbito, sem loló ou crack,
viraram folha, docemente ao vento!
paisagem litorânea
os arranha-céus subiram aos morros,
para ver o mar
e os negros
mudaram-se
para a avenida Copacabana.
as usinas e as fábricas
lançaram-se dos penhascos,
a ponte se dissolveu na bruma
e jangadas povoaram
a baía, inocentemente.
O corpo, o nada.
a joão cabral de melo neto.
o segredo do tempo
- a pedra -
a coragem do tempo
- a pedra -
a riqueza do tempo
-a pedra -
a frieza do tempo
- a pedra -
a erupção do tempo
- a pedra -
a construção do tempo
- a pedra -
o silêncio do corpo
- a pedra -
o peso sobre o nada
- a pedra.
ARRIETE VILELA(1949) poeta, cronista e contista alagoana. Professora aposentada da Universidade Federal de Alagoas, onde trabalhou com a autoria feminina na Literatura Brasileira, foi eleita para a Academia Alagoana de Letras em 1996. Sua obra recebeu inúmeros prêmios, pela importância de sua obra, como o da União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro, em 2002.
NÃO DEVIAS
Não devias enamorar-te assim
das minhas palavras: são fios
que tecem a renda com que adorno
as entardecidas beiradas dos meus dias
e tecem, igualmente, a rede com que caço
borboletas que, à tua semelhança, voejam
solitárias ao redor do meu mistério.
Não, não te devias exibir assim
à beira do poço: és pássaro de pequenas asas,
e basta um descuidado sopro da minha poesia
para fazer-te ver o céu menor do que uma lágrima.
Não devias jogar-me à passagem
– e assim, à vista de todos –
belas metáforas: esmago-as com amorosos gestos,
para que gotejem em mim o sumo das folhas
da pitangueira com seu cheiro de infância
reencontrada na tua ausência.
Poupa-te, anjo de flores que só duram um dia.
Passa à margem do que sou,
protege esses teus olhos de mares transparentes
e não queiras entender o meu silêncio, a minha recusa
nem os sutis precipícios sobre os quais vivo
e escrevo.
Protege o teu coração
e não atices a colmeia que espreita,
para além da cerca viva de papoulas,
a dor nos descuidos da alegria amorosa.
POEMA 25
O Poema não devia esfolar a Palavra
que há dentro de mim,
pois se destrançam, assim, os fios de sisal
que prendem memória e realidade.
O Poema devia aliviar essa fascinante
e atormentada relação com o que sou,
com o que não sou,
numa dualidade quase fluida,
quase erótica.
O Poema não devia deserdar-me
do sonho comum,
das pessoas com seus olhos de isca
e de fastio.
O Poema devia esvaziar-me da Palavra
e de suas resistências,
para que eu seja apenas devaneio
à-toa.
POEMA 1
Quantos adeuses devo dizer-te?
Não sei.
Mas te deixo um presente:
os textos fundadores
(ou fraudadores?)
de mim e de ti.
Talvez queiras mudar-lhes
as entrelinhas...
POEMA 2
Sou cria
revelada
da palavra
que intercepto
em mim
e cumpro o destino
de ser cardo
e não avidamente
flor.
XENIA ANTUNES(1949) nascida no Rio de Janeiro, a poeta mora em Brasília desde os anos 60. Escreve poesias, contos, crônicas e artigos. Tem dois livros publicados: Parto Normal e Exercícios de Amor e de Ódio (1980). É também artista plástica e fotógrafa. Integrou a chamada geração do mimeógrafo e participou de inúmeras antologias.Segundo o poeta e crítico Antonio Miranda,o poema Maria dos Prazeres é um clássico da cultura de Brasília.
A respeito do enjôo matinal nada a fazer.
Decididamente, café e pasta de dentes
nunca tiveram nada a ver entre si.
Mas pior é o espelhinho
aquele que fica logo acima da pia do banheiro
esse agente da CIA incorporado à náusea cotidiana.
Não se vê nele nada além da fotografia
que ilustra a cédula de identidade.
E ele te cospe crimes, antecedentes criminais
e ainda te diz a idade do criminoso.
É preciso que vistas um vestido amarelo,
ordenes teus pelos e batas a porta,
rápida,
atrás.
MARIA A DOS PRAZERES
Cada vez que me possuem
cada vez fico mais pura
mais casta
mais virgem
Cada vez que fico nua
cada vez sou mais louvada
beijada
aleluia
Cada vez que eu me entrego
cada vez eu sou mais santa
mais salve
rainha
Cada vez que estou parindo
cada vez sou mais mater
mais ave
maria.
MÃOS
São mãos nos meus cabelos, nos meus olhos, na minha boca são mãos treinadas em percorrer a carne viva
mãos que procuram a parte escondida
são mãos acostumadas, salientes,
que me desenham flores no corpo todo
que me ativam a glândula
são mãos que mentem o gesto
escondem de mim o resto
e, depois das mãos
os pés acima de tudo.
Ai, estão me machucando!
EXERCÍCIO DE ÓDIO
é porta de igreja
é só pra olhar
põe o dedo na chaga não
olhe e se contenta em olhar
deixa o sangue brotar
deixa o dinheiro na lona
deixa o miserável na zona
deixa e deixa o membro sofrer
deixa e deixa o bicho comer
é porta do inferno
é fogo na brasa
é ferida magoada
é jejum madrugada
é frio
é fome
é porta fechada
pra tua passagem
deixa andar
deixa azar
desgraçar
não vá confirmar
o dia
a pontaria
a afronta não conta
o perdão já não há
é só pra olhar
sem espanto
que teus olhos ainda vão ver tanto!
CYANA LEAHY-DIOS (1950) poeta soteropolitana é niteroiense por opção. Escreve ensaios, ficção e poesia. Autora de dezenas de artigos, capítulos de livros e textos apresentados em congressos nacionais e internacionais. Publicou Biombo(1989), livro de estréia na poesia. Seguiram-se Íntima Paisagem (1997), O Livro das Horas do Meio(1999), Seminovos em Bom Estado(2003) e (Re)Confesso Poesia(2009). Conquistou prêmios literários no Brasil e na Inglaterra.
Da gata
Era uma vez a gata.
Prenha gata.
Sozinha no fim-de-semana
deu à luz quatro gatinhos.
Sem trauma, sem parteira, sem curativo.
Agora cinco gatos vagueiam pelo palácio
Saudáveis. Negros. Independentes como nunca fui
aula de pintura
enquanto enrubesço
me ensina a pintar com o corpo
me ensina a perder os medos
e a poder sujar as pontas dos dedos
as unhas e as palmas das mãos
nas tintas de todas as cores
enquanto enrubesço em vinho tinto
sê meu mestre
amor
no alto da montanha
se eu for com meu amor
ao alto do Himalaia
será um deus-nos-acuda
será uma festa no céu
se eu chegar com o amor
ao pico do mais alto monte
na volta plantarei alfaces
na descida criarei bodes
na várzea terei galinhas
e paz na terra
e o coração nas alturas
tudo acontecerá se eu for
com meu amor perfeito
ao alto do Himalaia
Casamento
Eu faço a festa:
faço, cozo, sonho a seresta
enquanto você dorme.
Preparo, congelo, apronto
enfeito ajeito me sujeito
você já se banha.
Me arrumo, me enfeito,
só não me perfumo,
e afino os instrumentos.
Recebo, sorrio, sirvo,
também bebo, também como,
e controlo sua performance.
Madrugada, todos idos,
Você, bêbado, dorme
e eu desfaço a festa...
Para comentar é preciso estar logado no site. Fa�a primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
Voc� conhece a Revista Overmundo? Baixe j� no seu iPad ou em formato PDF -- � gr�tis!
+conhe�a agora
No Overmixter voc� encontra samples, vocais e remixes em licen�as livres. Confira os mais votados, ou envie seu pr�prio remix!