Ecumenismo a partir da Obra Lucana

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Gilvander Moreira · Belo Horizonte, MG
5/3/2013 · 0 · 0
 

Iniciando a reflexão.

Pode parecer anacronismo falar em ecumenismo nas primeiras comunidades cristãs a partir de Atos dos Apóstolos, mas se justifica, pois não existiu somente uma Igreja Primitiva, mas várias Igrejas Primitivas. Várias igrejas foram se constituindo a partir da igreja-mãe de Jerusalém: igrejas da Samaria, de Cesareia, de Antioquia, de Roma, de Corinto, de Tessalônica, de Roma e muitas outras. Igrejas que cultivavam o respeito ao diferente nas suas relações internas e também na sua relação com outras igrejas que, mesmo sendo cristãs, tinham ensinamento e práticas distintas. Assim sendo podemos dizer que segundo a obra de Lucas – Evangelho de Lucas (Lc) e Atos dos Apóstolos (At) -, as primeiras comunidades cristãs, eram, por excelência, ecumênicas. Costuravam uma unidade entre elas com base na diversidade e na pluralidade e regiam-se por um projeto de inclusão, de comunhão, de convivência fraterna, de fração do pão e oração. Em Atos dos Apóstolos há uma valorização da alteridade, do outro. É a partir do outro e, especialmente, do outro que é injustiçado que se analisa a realidade e atua de forma transformante. O Espírito Santo está em nós como está no outro (At 10,44-45).
Identificamos nove posturas ecumênicas nas primeiras comunidades-Igrejas cristãs. Ei-las, abaixo.

1. Desapego de doutrinas

Ser ecumênico significa desapegar-se de doutrinas e colocar a vida humana – envolvendo também toda a biodiversidade - acima de tudo.

Isso aconteceu na vivência dos primeiros cristãos e cristãs. O apóstolo Pedro, segundo Atos dos Apóstolos, teve a grandeza de se desvencilhar-se das doutrinas da pureza e da impureza. Ele se desinstalou de Jerusalém, onde nasceu e se desenvolveu a comunidade-mãe, e partiu para a missão no meio dos excluídos, dos discriminados. Conviveu por algum tempo com Simão, seu xará, e, acima de tudo, como profissão, era um curtidor de couro, considerado o mais impuro entre os impuros. Em um bonito processo de conversão, Pedro foi ao encontro do oficial romano Cornélio, mas teve de justificar sua conduta em Jerusalém (At 11,1-18). Pedro arcou com as conseqüências da sua postura aberta e inculturada. Voltando a Jerusalém, “foi encostado na paredeâ€. Dois grupos se enfrentaram: de um lado, os apóstolos e irmãos da Judeia, os da circuncisão, censuravam Pedro por ter entrado em casa de incircuncisos e comido com eles (At 11,3). Do outro lado, o próprio Pedro com a experiência do Pentecostes dos gentios (At 10,44.47) no coração e na mente (At 11,17).

Pedro teve de partilhar a experiência de Deus vivida no meio dos gentios e excluídos. Lucas registra que a conversão de Pedro contribuiu para a conversão da Igreja-mãe, a de Jerusalém (At 11,4-18). Por três vezes Pedro ouviu: “Não chame de impuro o que Deus purificou†(At 11,9); e por três vezes esse acontecimento é narrado em Atos dos Apóstolos. Isso mostra a interpretação rigorosa que alguns faziam das leis, e aponta a barreira que devia ser superada. As primeiras comunidades cristãs sofriam na pele as conseqüências dramáticas da lei da pureza e da impureza. “Um povo inteiro†era marginalizado e excluído. O Espírito de Deus aponta insistentemente em outra direção: para Deus não existe puro e impuro. Ele ama a todos, não exclui ninguém.

Provavelmente já havia em Jerusalém um grupo mais radical e outro mais moderado. O motivo da reprovação não é o batismo, mas a entrada de Pedro em casa de uma pessoa pagã e a refeição comum de ambos. Em sua defesa, Pedro acentua a iniciativa divina, e os de Jerusalém acabam por abrir-se à ação do Espírito no meio dos excluídos (At 11,18).

O episódio de Cornélio ocupa um lugar de destaque nos Atos dos Apóstolos: foi uma antecipação da “assembléia de Jerusalémâ€, em At 15,1-35, e preparou as missões de Paulo (At 15,36–19,20). Cornélio representava o Império Romano e o modo como Lucas achava que as pessoas deviam comportar-se em relação ao império. O oficial romano não debateu, não pôs condições. Pedro falou e ele ouviu atentamente o Evangelho de Jesus Cristo. Para Lucas, não era impossível que os funcionários romanos se convertessem e assim pusessem serviços e estruturas do império à disposição da irradiação da Palavra de Deus, o projeto do evangelho de Jesus Cristo. Com esse exemplo, Lucas espera convencer altos funcionários romanos à fé cristã.

Desapego a doutrinas leva a rompimento e a superação de barreiras. Eis outra característica do ecumenismo segundo o livro de Atos dos Apóstolos.

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