Hollywood no Cariri: A influência da moda e do cinema na arte de Telma Saraiva
Obs: Trata-se de um artigo científico.
Autora: Cleonisia Alves Rodrigues do Vale - é graduada em Estlismo e Moda pela Universidade Federal do Ceará. Atua como Estilista e Pesquisadora de Moda e Comportamento. E-mail: cleodovale@gmail.com
Resumo
Vivemos em uma “civilização da imagem”. As imagens virtuais ou não, nos propõem mundos ilusórios e no entanto, perceptíveis, quanto mais imagens vemos, mais corremos o risco de ser enganados. As imagens comunicam e transmitem mensagens, a sua utilização generalizada e constante, nos leva a decifrá-las e interpretá-las.
A ambição desse artigo é, portanto auxiliar na compreensão das imagens produzidas por Telma Saraiva inserida no seu contexto histórico e cultural - levando em consideração principalmente as influências que a moda e o cinema exerceram na sua arte - através da análise de imagem.
Palavras-chave: Moda, arte, fotografia.
1. Introdução
De acordo com Joly (1996), a imagem se tornou uma das ferramentas efetivamente predominantes na comunicação contemporânea.
Para tal intento, na seção seguinte apresenta-se uma breve biografia da artista, na seção 3 aborda-se a fotopintura popular; na seção 4 apresenta-se a metodologia; na seção 5 analisa-se imagens produzidas pela artista Telma Saraiva. Por fim, são tecidas algumas considerações conclusivas sobre o assunto.
1. Breve biografia
Na intenção de treinar a leitura da filha Júlio levou a pequena Telma ao cinema, as legendas dos filmes passavam depressa, melhor professor não havia na ocasião. Nos cines Moderno e Cassino, no centro da sua cidade, Crato, no interior do Ceará, a menina não mais tropeçou nas palavras e encantou-se pelo cinema e pelas atrizes de Hollywood. As incríveis sensações que experimentou tantas décadas atrás nas duas acanhadas salas explicam sua arte.
Quando caiu de amores pelo cinema, Telma deixou-se seduzir igualmente pela fotografia. O fascínio das imagens em movimento levou a garota a reparar melhor nas imagens estáticas e pelo seu processo de construção, uma das especialidades de seu pai.
A idéia de pintar os retratos surgiu da revista A Cena Muda a partir de um anúncio de uma tinta americana própria para fotografia. Aos 16 anos, começou a pintar fotos de colegas da escola.
Na esperança de acompanhar o frenesi hollywoodiano, Telma resolveu colecionar A cena Muda, badalada publicação sobre cinema, e as embalagens de sabonetes Lever, que traziam um brinde incomum: fotos coloridas de atores (e não em preto-e-branco como de costume). Extasiada, a menina as copiava a lápis nos cadernos escolares. Também infernizava as costureiras da cidade para que reproduzissem os vestidos das estrelas. Importou as tintas capazes de colorir fotografias e inundou de cores os retratos das amigas que o seu pai fotografava.
Na década de 1950, Telma acabou se casando com um fotógrafo, Edilson Rocha. Cercada de lentes e negativos por todos os lados, concluiu que chegara o momento de ela mesma abraçar o ofício.
Aprendeu a operar uma moderna câmera Rolleiflex e
iniciou fotografando crianças, e já coloria as ampliações. Poucos meses depois, eram as mães das crianças que estavam posando.
Telma percebeu que poderia converter aquelas mulheres em outras pessoas. Conduzi-las do Crato à Espanha, Grécia ou França, exatamente como acontece com quem vê um filme. Usando os brindes do sabonete Lever e a coleção de A Cena Muda, convenceu as clientes as se transformarem em divas de Hollywood.
Esforçou-se para copiar cada detalhe dos portraits originais: da iluminação à maquiagem. Os figurinos, confeccionava na hora, misturando tecidos, chapéus, leques, plumas e pulseiras que garimpavam pelos bazares das redondezas.
Por “puro prazer”, decidiu também participar da brincadeira, fez caras e bocas de gueixa, fez as vezes de uma índia norte-americana, bancou a grega. Em cada registro, a fotógrafa assume feições, os penteados e os figurinos, das estrelas que via no cinema, como Vivien Leigh como Scarlett O‟;;;;Hara, a geniosa protagonista de ...E o vento Levou. Desenvolveu as maquiagens inspirada nas fotos das atrizes que via no cinema e nas revistas. Aprendeu sozinha, depois fazia o retoque no retrato com tinta a óleo.
Os auto-retratos de Telma Saraiva certamente se inserem na tradição da fotopintura popular. Entretanto, também a subvertem, o que os faz muitíssimo peculiares. Outro fator de diferenciação é o de serem raras as mulheres que se dedicam à atividade.
2. A fotopintura popular
Processo inventado por André Adolphe Eugène Disdéri (1819-1889/90) em torno de 1863. Já em 1866 encontramos os primeiros praticantes deste processo no Brasil, que era denominado nos países de língua inglesa de photography on canvas.
É uma técnica comum desde o século XIX, quase extinta hoje fez muito sucesso nas décadas de 20,30, 40,50 e até 60. Consistia em uma foto simples, ampliada em preto-e-branco e retocada com tinta a óleo ou pastel, deixando a pessoa mais bonita e acrescentando acessórios ao figurino, tais detalhes emprestavam certo prestígio ao personagem.
Os principais artesãos brasileiros do gênero se concentram no Ceará, embora haja outros pólos de produção significativos, como Caruaru (PE). Em São Paulo, a técnica resiste timidamente graças à persistência de um reduzido número de profissionais.
Os artesãos não fotografam nenhuma das cenas que se dispõem a colorir. Preferem mexer em imagens que os clientes lhes entregam prontas. O grosso dos artesãos não tem o hábito de se fotografar nem se preocupam em demasia com a verossimilhança. Abdicam, ainda, da tinta a óleo e priorizam o pastel, que custa mais barato. Agregam símbolos de status às personagens da foto, tornando-as quase uma outra pessoa ou pelo menos alguém mais bem-apessoado, livre das inevitáveis rugas e imperfeições da pele, da falta de brilho nos cabelos, das orelhas de abano e até da indesejada papada. Ainda era possível inventar acessórios que nunca tivera: gravatas ou écharpes, óculos ray-ban, relógios ou pulseiras. Às vezes, ousam ressuscitar mortos em velórios – eliminam o caixão, abrem os olhos de defuntos e o colocam de pé, ao lado de um amigo – e muitas outras intervenções mágicas que a arte e a técnica permitiam. Ao colorizar fotografias, os fotógrafos-pintores, dando asas às suas fantasias e intuindo às do fotografado, tornavam reais, sobre um pedaço de papel, os desejos impossíveis de cada um. Com tais artimanhas, transportam os retratos para um contexto onírico, sem os limites que a sociedade ou a natureza lhes impõem.
4. Metodologia
Antes de discorrer sobre análise de imagem, é importante mencionar que o termo imagem é empregado com uma diversidade de significações e que por isso, “torna difícil dar uma significação simples (...) que recubra todos os seus empregos” (JOLY, 1996, p. 13).
Reforçando o pensamento de Joly, Cullen (2006) define imagem como “qualquer objeto, palpável ou não, criado ou não pelo ser humano, sendo um objeto, obras de arte, fotografias, imagens pictóricas (gravuras, pinturas, desenhos) ou até em forma de pensamentos e demonstrações de expressão”. Já a expressão "análise de imagem‟; pode ser definida como uma atividade semelhante à análise do discurso, uma vez que tem por objeto analítico as imagens. A análise de imagem tem “por método interpretar e „desconstruir‟;;;; imagens, em conteúdo e forma, considerando o contexto histórico-social
de produção, o autor (emissor) e o público (receptor) que participaram de sua criação, com a finalidade de compreender e identificar sentido nas imagens” (WIKIPÉDIA, 2009).
O primeiro passo para se fazer uma análise sintática de uma imagem é identificar seus principais elementos da composição. Ao se referirem à análise de imagens, Villafañe e Mínguez (2000, p. 254) propõem um método desenvolvido especialmente para imagens isoladas (um quadro, uma fotografia, ou uma cena) que se divide nas seguintes etapas:
(a) leitura da imagem: o analista busca obter maior quantidade de informações sobre a imagem sem considerar a articulação teórica, inarticulada, similar a uma criança vendo uma imagem;
(b) definição estrutural: leitura de vários elementos que estruturam uma imagem, tais como nível de realidade, modelação da realidade, geração da imagem, materialidade da imagem, natureza temporal, natureza escalar, elemento icônico dominante, função de significação e antecedentes iconográficos;
(c) análise plástica: estrutura espacial, construção espacial, temporalidade e dinâmica. Ao final, se efetua a análise plástica da composição em sua totalidade.
3. Análise das imagens produzidas por Telma Saraiva
A escolha de um tipo de imagem para servir de modelo de análise não é uma tarefa simples: primeiro porque existe uma grande variedade de tipologias, segundo porque deve-se considerar a limitação física da imagem - isolada ou não seqüencial e estática, isto é, não dinâmica como um filme, por exemplo.
O objeto escolhido para análise é voltado mais especificamente para as Artes Plásticas, podemos perceber que as imagens são banhadas de símbolos, signos, conceitos e significados, frente às múltiplas formas de sua construção e leitura. Pensar a imagem é ir para além daquilo que ali se vê. Importam as teias que a circundam, sua origem, o
processo criativo do artista, o tempo e espaço nos quais foi concebida, suas ambigüidades de mensagens e as interpretações que elas transmitem.
Com base nos métodos apresentados, procede-se a análise de imagens da artista. São características comuns às imagens anexadas:
São auto-retratos da mesma pessoa do sexo feminino, em poses semelhantes, maioria com leve inclinação diagonal, variedades de cores, ares vintage, com nítida presença da inspiração nas estrelas de cinema das décadas passadas (Vivian Leigh como Scartett O'Hara, Rossane Podesta como Helena de Tróia, Jane Frazee, uma índia Sioux), quase ausência total de elementos de fundo, poucos objetos de cena, sequência mostra o amadurecimento da personagem – de garota à mulher, fotopinturas (tinta óleo sobre papel fotográfico).
Há uma clara influência da moda da época (abrangendo vestuário, maquiagem, atitude, etc.), busca pelo máximo de realismo, busca nuances de claro e escuro, equilíbrio das formas, acabamento perfeito, compromisso em não “falsificar” os registros fotográficos que pinta.
4. Conclusão
O trabalho apresentado mostrou que é possível aplicar a metodologia de análise de imagem simultaneamente a várias imagens, inseridas nos mesmos contextos. Existe um forte elo que as une dentro de um mesmo estilo, da mesma “intenção”, elementos fundamentais na formação do processo de identidade. A idealização está presente nos trabalhos de Telma Saraiva, de maneira distinta, ela habita um universo fantasioso. Não constrói na etapa da pintura, mas no momento em que incorpora as atrizes hollywoodianas diante das câmeras. Avançou nos conceitos da auto-referência e nas possibilidades técnicas do que hoje se chama "tratamento da imagem".
Enfim, analisar simultaneamente várias imagens, não foi somente didático, mas também útil para futuras aplicações.
Referências bibliográficas
ANTENORE, Armando. Hollywood no Cariri. Bravo! São Paulo: Editora Abril, 2006.
CULEN, Marcelo. Coluna Photoshop: Imagens no Photoshop. Disponível em:
http://www.mxstudio.com.br/views.tutorial.php?act=view&cid=13&aid=831. Acesso em: 02/07/2009 às 21:00 h.
Enciclopédia Itaú Cultural Artes Plásticas. Disponível em: http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=termos_texto&cd_verbete=3871 Acesso em: 02/07/2009 às 15:55 h.
JOLY, Matine. Introdução à análise da Imagem. Trad. Marina Appenzeller. São Paulo: Papirus, 1996.
MASCARO, Cristiano. Telma, à procura de um mito. Disponível em: http://www.revistabrasileiros.com.br/edicoes/6/textos/224/ Acesso em: 05/07/2009 às 18:35 h.
MOURA, Letícia. Retratos de uma vida. Disponível em: http://revistatpm.uol.com.br/conteudo.php?cat_id=159&materia_id=70. Acesso em: 05/07/2009 às 16:42 h.
RAMALHO E OLIVEIRA, Sandra. Imagem também de lê. São Paulo: Edições Rosari, 2005.
VILLAFAÑE, J.; MÍNGUEZ, N. Principios de la teoría general de la imagem. Madri: Ediciones
Pirámide, 2000, 324 p.
WIKIPÉDIA. Desenvolvido pela Wikimedia Foundation. Apresenta conteúdo enciclopédico.
Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem#An.C3.A1lise_da_Imagem Acesso em: 02/07/2009 às 11:45 h
Agora o artigo está completo, texto e imagens!!!
Cleo gostei muito deste postado. Como cratense conheço o trabalho de Telma Saraiva e sei que ela é uma das artistas mais respeitadas e valorizadas da região. Mas confesso que sempre fui muito alheia quanto ao fato da moda e o cinema serem tão influentes no trabalho dela, e isso se deve à minha total falta de perspicácia porque agora, relembrando muitos quadros pintados por ela que já vi pendurados nas paredes de muitas residências, que entrei, fica evidente que tudo isso é muito forte no que ela faz! Tomara que muitos cratenses, assim como eu, possam ver este artigo aqui no Overmundo para compreender melhor toda a riqueza que é o trabalho dela, que vai além de imagens, realmente!
JACK CORREIA · Crato, CE 16/1/2010 15:17
muito bom saber da existência dessa artista do Crato.
lembrei-me logo de um artista plástico juazeirense chamado Sanduarte, que se especializou em pintar as misses brasileiras. infelizmente, hoje em dia poucos conhecem o trabalho dele. não há sequer um lugar onde possamos apreciar seus quadros. o que é uma pena.
por isso, fico muito feliz em ler esse texto, e saber que existem pessoas pesquisando, com ótima fundamentação teórica (vide Joly), quadros de uma artista que eu nunca tinha ouvido falar. imagino o quanto ela deve estar orgulhosa em ser apresentada ao mundo, a partir do overmundo.
parabéns cleo do vale!!! continue nos brindando com textos assim, ricos de imagens sugestivas...
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