Mudanças no Espaço

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Bernardo Mortimer - www.sobremusica.com.br · Rio de Janeiro, RJ
6/12/2006 · 40 · 0
 

O engraçado de tudo que está mudando ao redor é que a perplexidade não tem nem tempo de se instalar. Alguns já devem ter ouvido falar de uma edição de uns dois ou três meses atrás da revista Wired, sobre a ervolução da música. Tinha o Beck na capa, que falava em outra concepção para os discos, outra relação, interatividade, a urgência de se enterrar o modelo que não dá mais certo mesmo. O Beck falava até em um álbum que pudesse ser jogado, que nunca fosse ouvido duas vezes da mesma forma.
Sabia que a indústria do videogame já fatura mais que a do cinema?
Simbolicamente, o disco do Beck foi mais um da lista infinita dos que vazaram antes de serem lançados em suporte cd. No meu espacinho, o sobremusica, bateu uma ansiedade. Jornalista querendo correr contra o tempo. O senso de separar o que é notícia do hype, do caô, da histeria, apitava. E mais, a crise existencial: ainda vale falar de disco?

Essa semana, em poucas horas livres, rolou um passeio pelo mundo livre do myspace. Até vi gente como Céu, the Slackers, the Rapture, Artificial, Cibelle, etc. Mas a viagem durou mais em ouvir umas ondas tipo o Maquinado ou o Autônomo, projetos-solo paralelos de Lúcio Maia e Jorge Dü Peixe do Nação Zumbi. E Ganjaman da Trama, e Nervoso, e Albert Hammond Jr do Strokes (legal, é com o Sean Lennon), e Nick McCarthy do Franz Ferdinand (mais ou menos), e João Brasil (já ouviu a mais nova?), e Guizado de Rian Batista, Gui Mendonça, Curumim e Régis Damasceno (Compadres é a melhor das disponíveis), e ainda Abujamra (já reparou que tem uns metais do Karnak que levam direto a Móveis Coloniais?). Fico pensando quantos músicos não têm uma página própria no myspace antes de ter a carteirinha da OMB, por exemplo.

Ou seja, tá fácil chegar direto no artista, que gravou ali uma idéia sem compromisso e botou no ar pra ver qual é. E, mais do que isso, a relação está diretamente ligada à canção. Esses músicos todos não gravaram o que tá ali disponível (nem sempre para download, mas para streaming) como parte de uma concepção que vai marcar determinado momento na carreira deles, etc. É uma música, e pronto, de repente só um estudo. O álbum deixa de ser um conceito a se pensar, e passa a nem ser. É o que os ventos levam a crer.
O mais legal é que, ao contrário do que poderia se concluir, a estrada não conduz a um novo mundo jamais desbravado onde o chão em que se pisa pode se desmanchar e engolir os pés, pernas, e assim por diante.
No início do século passado, era assim. A tecnologia só permitia gravar uma música de cada lado de um vinil. A relação com a música era essa, gostou da canção, comprou, e leva o lado b de brinde. Com Pelo Telefone e as Casas Edison, foi assim. Era o tempo de Robert Johnson, para ficar só em um.

Robert Johnson nasceu na virada para a década de 10, no Mississipi, e vendeu a alma para o diabo em uma encruzilhada. Em troca, o dom da voz e da guitarra para o blues. Gravou vinte e nove músicas na vida, nenhuma preocupada em ser coerente com um período determinado da vida dele, com uma imagem forte para a capa e um título para resumir aquele estado de espírito, de criação. Cada uma lançada só, individualmente, para o gosto do freguês. Aliás, certo Bob Marley começou assim também, no iniciozinho de 60, nos arredores de Trench Town. My Space, tramavirtual, escolhe neguinho. Para achar o cara, o jeito era os googles e as redes de relacionamento da época, tudo real da maneira que o século permitia.
Ao que parece, tudo caminha para uma relação com a música que tem referência com os anos 20 e 30, com a evidente diferença da internet. Gostar do trabalho de alguém pode estar muito próximo dos negros pobres do Sul dos EUA (Jamaica de 50 e 60 também), que iam beber bourbon em bailes para dançar e encontrar a nega cara-metade, e a partir disso se encantavam com uma canção em específico. Daí, corriam atrás do compacto. Hoje, seria o mp3. De resto, negas, bourbons e bailes ainda estão por aí, assim como a música.

A questão é se tudo isso melhora as coisas. Melhora?

((esse texto foi escrito primeiro para o www.sobremusica.com.br, e readaptado agora para o overmundo))

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