Panorama político em Cabo Frio (ou Sucupira City)

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Ravi Arrabal · Cabo Frio, RJ
19/1/2010 · 0 · 0
 

A eleição de 2008 em Cabo Frio foi peculiar. Muito peculiar. Peculiar mesmo!

Comecei a trabalhar na Folha dos Lagos em setembro, no auge da campanha, que colocava dois candidatos como grande favoritos: de um lado Alair Corrêa (ex-prefeito de Cabo Frio por três mandatos. Coronelzão. Linha dura. Conhecido por boicotar veículos de imprensa que falassem mal dele e por favorecer grupos familiares na cidade além, é claro, do costumeiro nepotismo. Shows na praia do forte, foguetórios, obras controversas e superfaturadas, quase um Maluf da terra do sal.) do outro Marquinho Mendes ('atual' prefeito reeleito. Foi vice do Alair durante o segundo e terceiro mandato. Em seguida, em sua primeira campanha como prefeito, foi apoiado por Alair. Quando no poder houve um racha, e Alair perdeu a parte que lhe cabia neste latifúndio.

A campanha em 2008 foi realmente peculiar: se de um lado Marquinho posava como um salvador, um príncipe, um fiel curado por Jesus de sua labirintite contando com o apoio maciço de pastores evangélicos(recompensados por portarias), Alair adotava o exato oposto: ataques pesados e raivosos, acusações de traição e afins. Formou-se então a luta perfeita: o bem e o mal se degladiando em busca de (mais) poder.

Pelo jornal, logo no início, cobri a votação em um dos maiores colégios eleitorais de Cabo Frio, O Colégio Estadual Miguel Couto. O que pude ver, sem maiores malabarismos ou pirotecnias jornalísticas, foi a mesma prática por todos os lados: compra de votos, boca de urna, ônibus vindo de Minas Gerais com eleitores fantasmas...
Marquinho ganhou por uma esmagadora diferença: 14 mil votos.
Ai a briga começou de outra forma. Acusações por parte de eleitores do candidato derrotado indicavam adulteração nas urnas: nada comprovado. Centenas de ações, recursos, embargos e liminares pululando nos corredores do TRE-RJ.

Alair, para manter o grupo unido, afirmava sempre que "semana que vem o prefeito cai". Um ano se passou...
A cada votação no TRE, foguetórios, disse-me-disse, invenções: "A PF está na prefeitura", "Marquinho renunciou", "Alair desistiu de ser prefeito", e por ai vai...
O prefeito utilizava constantemente dos meios de comunicação para dizer que Alair estava mentindo com o intuito de desestabilizar o governo - como se precisasse.. a tal crise econômica foi a maior desculpa de todos os tempos deste governo para justificar qualquer erro, falta de pagamento, não realização de eventos e por ai vai -, que tropeçou nas próprias pernas na maioria do tempo e supostamente utilizou boa parte dos recursos - vide royalties de petróleo - para bancar desembargadores, juízes e ministros do TRE.
A briga se arrastava na justiça e na cidade o clima era de completa confusão: de um lado Alair dizia em alto e bom som que "de semana que vem não passa", do outro Marquinho bradava "daqui não saio daqui ninguém me tira".

A briga jurídica no TRE foi muito peculiar: Marquinho se manteve no cargo por conta de liminares - uma que autorizava sua candidatura e outra a diplomação - mas ontem, 18/01, um pedido de liminar caiu nas mãos do Presidente Aires Brito, que foi negada. Após isso, ele enviou o pedido de informações ao Desembargador Nametala Machado Jorge, que resultou na derrubada do último recurso impetrado pelo Prefeito para evitar sua cassação pelo processo que versa sobre a impossibilidade do atual prefeito de ser candidato, quando seu embargo foi derrubado por 4 votos a 1. O processo agora está saneado, pois todos os artifícios, embargos, agravos, liminares, mandados e outras filigranas jurídicas foram derrubadas uma a uma, permitindo agora a votação do mérito.

Independente do que possa acontecer nos próximos dias, a mensagem é a mesma: o modelo político dos dois grupos está ultrapassado. Perseguições, boicotes, picuinhas e revanchismo já estouraram a paciência de boa parte da população de Cabo Frio. Enquanto isso, demissões, eventos cancelados, cultura esfacelada, atrasos de pagamentos mas, apesar de tudo, todos estes envolvidos se divertem passeando de lancha no Canal do Itaurú ou construindo Parques Aquáticos opulentos.

Como diz meu amigo Rafael Peçanha, em perfeita análise sobre a cidade:
"Vários atributos se traduzem na representação social da cidade de Sucupira, sucesso de Dias Gomes na novela “O Bem Amadoâ€. A cidade, onde “coisas estranhas aconteciamâ€, era regida pela lógica dos boatos, do sobrenatural e da pessoalidade. Outro atributo encontra-se na representação social da cidade de Babel, imagem simbólica de uma urbanidade cosmopolita que, porém, ficou no nosso imaginário como arquétipo da confusão: cidade onde ninguém se entende, onde cada um fala sua língua.
Nossa cidade vive um ambiente social que mistura as representações de Sucupira e de Babel. Na questão da legitimidade do Prefeito, somos Sucupira: em cada esquina, um cidadão diferente fala que “já está tudo certo†ou ainda que “o juiz falou que vai decidir assim†e todos acreditam: o argumento verbal e pessoal sempre vence e ninguém sabe ao certo quem é o Prefeito, algo extraordinário, extremamente sucupirano. Somos Babel, pois cada lado dá a certeza absoluta da legitimidade. Já ouvi afirmações de decisão favorável e contrária do mesmo Tribunal, sobre o mesmo processo... O fato é que, de uma forma ou de outra, em qualquer dos casos, há uma mesma raiz social representativa: as figuras de Sucupira e de Babel. E enquanto Odorico Paraguaçú não mudar de cidade, ou o Deus hebreu não mandar fogo sobre Babel, discussões pontuais não surtirão efeito se não forem realizadas à luz destas imagens culturais cabofrienses, reconhecendo que, como afirma Bosi, elas são construções coletivas, ponto de vista do grupo. Somos o que queremos ser."

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