Aqui tem Banquinha Popfuzz

Leões + Eek
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Marcelo Cabral · Maceió, AL
8/5/2011 · 16 · 0
 

Grupo de jovens empreendedores culturais inventa um jeito de driblar as dificuldades para distribuição de discos independentes em Alagoas

Entre os tantos desafios encontrados por artistas independentes de todo o país, um dos maiores problemas é, sem dúvida, a distribuição de suas obras. Ok, hoje em dia, já é possível gravar um bom disco em um estúdio caseiro. Disco gravado, capa pronta, trâmite burocrático, fábrica, e pimba! CD na mão! Tudo pronto, show de lançamento na sua cidade, maravilha, mas ... e depois? Como vender seu disco? Como fazê-lo chegar aos ouvidos das pessoas?

Disponibilizar na internet é uma opção, claro, mas ainda é necessário vender discos nos shows do próprio artista e em outros espaços, para repor os custos de produção. Além disso, mais pessoas do que os downloaders de plantão possam imaginar ainda gostam de ter o disco original, ler o encarte, admirar a arte da capa, e valorizar o artista que compôs e produziu aquilo. Já para o autor, pode ser fundamental vender estes produtos para dar sustentabilidade ao seu projeto musical e ampliar seu público.

Enquanto isso, em Maceió...

No artigo “Aqui não tem mais loja de discosâ€, publicado no Overmundo em 28 de setembro de 2006, escrevi sobre como todas as lojas de discos de Maceió já haviam fechado naquela época e no contexto do avanço da pirataria e do download, legal ou ilegal, que dominaram o mercado – ou ainda, tiraram a música da mera lógica de mercado, com conceitos como “cultura livreâ€, “democratização do acesso a culturaâ€, e licenças como as do projeto Creative Commons, entre outras tentativas de buscar modelos diferenciados. Naquele momento, o texto gerou um empolgante debate entre os membros da comunidade.

Cinco anos depois, as mudanças continuam. Cada vez mais os artistas independentes encontram na internet um espaço de difusão de seus trabalhos. A indústria mainstream, das grandes gravadoras, se rendeu ao nicho evangélico – cujo público, provavelmente por alguma “ética protestanteâ€, não compra e nem baixa produtos ilegais. Enquanto parte da população não se importa com isso, e outra parte tenta conciliar difusão e acesso aos bens culturais dentro da legalidade, testando novas formas de produção e consumo de música. A geração atual de músicos e compositores se organiza em coletivos e cooperativas, politizando o setor, e produzindo festivais importantes em seus estados, como o Festival Maionese em Alagoas, estado que continua sem loja de discos... mas que agora tem a Banquinha Popfuzz.

Uma idéia, muitos discos

O Coletivo Popfuzz nasceu de um grupo de amigos, com bandas de Maceió e Arapiraca, decididos a movimentar o cenário musical em Alagoas. Este ano, acontecerá a sétima edição do Maionese, festival anual produzido pelo Popfuzz, e já tivemos a segunda edição do Grito Rock Maceió, dentro das prévias carnavalescas da capital. Além disso, o grupo toca adiante um selo que vem lançando trabalhos autorais de vanguarda na música alagoana, entre outros empreendimentos, dentre eles, um dos mais bem sucedidos: A Banquinha Popfuzz.

Pouco mais de um ano atrás, mesma idade da “banquinhaâ€, o Coletivo Popfuzz passou a fazer parte do Circuito Fora do Eixo que funciona através do trabalho de outros coletivos de artistas e produtores espalhados pelos estados do Brasil. A maioria deles conta com uma banca de discos, expondo e vendendo o material de artistas independentes em shows, outros eventos ou mesmo em locais fixos. Existe uma articulação de distribuição entre as bancas e com os próprios artistas/fornecedores.

Em Maceió, o responsável pela Banquinha Popfuzz é o compositor, guitarrista, colecionador de CDs e estudante de Biologia, Caíque Guimarães (Baztian / Bad Rec Project). Caíque conta como tudo começou em dezembro de 2009: “Foi na 1ª Tour Nordeste Fora do Eixo, em Maceió. Poucos dias antes deste evento, estive na Feira Música Brasil, em Recife, e deu pra coletar um material legal de produtos de fora do estado. Daqui de Maceió eu lembro que tinha os discos do Coisa Linda [Sound System, a minha banda], o primeiro da Bad Rec [Project, do próprio Caíque], a Coletânea Quintal e mais umas duas coletâneas que tinham alguma banda alagoana.†Já a primeira experiência vendendo CD em show foi no Maionese 2009. “Neste ano o pessoal decidiu pedir para os artistas locais que levassem seus CDs para a gente vender lá. Desde que eu ando em shows de rock, lá com meus 13 anos de idade, que eu gasto, pelo menos, meia hora do evento nas banquinhas, isso sempre chama a atençãoâ€, garante.

Segundo Caíque, já passaram pela Banquinha Popfuzz cerca de 110 produtos diferentes. Dentre eles, CDs, livros, camisetas, ecobags, HQs, zines, adesivos, vinis decorativos, entre outros artigos. Pelo menos 20 produtos diferentes alagoanos e 90 produtos de bandas de outros estados. Caíque conta como faz a captação destes produtos e algumas das dificuldades que encontra neste processo, dentre as quais ele destaca as taxas e prazos dos Correios. “Na maioria dos produtos de fora, a quantidade é mínima, às vezes somente uma unidade. Já os produtos alagoanos eu consigo em uma quantidade maior, mesmo assim faço transações de venda e troca com fornecedores de outras localidades. O Circuito [Fora do Eixo] possibilita uma maior interação com os ‘comerciantes culturais’ e seus produtos graças à circulação de bandas. É possível trocar produtos, pegar por consignação ou enviar por meio das bandas que estiverem circulando. Fora do Circuito o contato acontece somente com lojas e selos em negociações de compra. Até hoje estou tentando comprar os CDs de artistas locais como Mopho [do emblemático selo Baratos Afins], Sonic Junior, Oxe e Mutação , que foram lançados por selos e gravadoras. Como virão de outros estados e os Correios botam ‘na goela’ do cara, essas negociações ficam às vezes inviáveisâ€, reclama.

Caíque consultou as tabelas da banquinha e constatou que os shows onde vendeu mais discos foram eventos abertos ao público. Além de democratizar o acesso aos espetáculos de música, shows abertos economizam dinheiro no bolso do pessoal. “O show que a banquinha vendeu mais foi em praça pública, no Parque Ceci Cunha, em Arapiraca, onde tocaram Leões de Minerva [banda de Mossoró, Rio Grande Norte] e a banda Eek. Foram vendidos 45 discos nesse dia. Eventos assim são sempre legais para a banquinha. O que o pessoal iria gastar com o ingresso gasta em CD. Nesse dia os discos que venderam mais foram os das bandas que tocaram e de artistas locais que tinham acabado de lançar algum trabalho: Coisa Linda Sound System, Bad Rec Project, e Rei Bulldog, banda de Arapiraca [Alagoas].â€

Uma das metas atuais da Banquinha Popfuzz é conquistar novos públicos, além dos shows e eventos de música independente locais. “A idéia é armar a banquinha em lugares inusitados. Pensei em armar a próxima no Botequim Paulista [notório point rocker de Maceió]. E também em eventos que não exatamente shows, como no Comusica, onde vários livros de palestrantes foram vendidos, no Afina Alagoas, e também em espaços públicos. Em janeiro deste ano montamos pela primeira vez a banquinha na mala de um carro, num evento lá na Rua das Ãrvores, Centro de Maceió. Estamos pensando em montar uma ‘banquinha volta às aulas’ dentro da Universidade Federal de Alagoas e em frente de alguns colégios do ensino médioâ€, planeja Caíque.

E não para por aí, a Banquinha Popfuzz abriu este ano a primeira filial, em Curitiba. “Um de nossos membros, o Emílio, está morando lá. Vendo que o pessoal do Sul tem bastante admiração pelo conteúdo musical produzido no Nordeste ele teve essa idéia. Fizemos a captação de produtos e já temos a banquinha funcionando em Curitiba.â€

Segundo Caíque, até a metade de 2011 a banquinha terá sua versão online, inclusive com os discos do catálogo do selo Popfuzz. Em outra frente de expansão, o coletivo está realizando um mapeamento de pontos fixos de venda como bares, casas de show e bancas de revista em Maceió e Arapiraca. Todo o lucro do empreendimento é investido nos lançamentos do Selo Popfuzz e na própria banquinha.

“Nosso maior desafio no momento é conseguir captar os produtos culturais locais. Fizemos um mapeamento detalhado e entramos em contato com quase todos os fornecedores. A meta é poder ser o fornecedor nacional de produtos alagoanos, independentemente do local de produção da mídia físicaâ€, diz Caíque. Até agora foram feitas poucas compras de produtos de fora do estado. A maioria delas via Circuito Fora do Eixo. As bandas parceiras do circuito fazem um esquema de venda por consignação.

Artista-fornecedor

Autor, músico, cantor, produtor fonográfico, fornecedor de discos. Cada vez mais o artista de música independente tem que se desdobrar em muitos papéis para tocar adiante seu projeto e promover suas composições, além de, não raro, atuar em outras frentes profissionais, já que viver de música é um sonho alcançado por poucos.

O compositor e jornalista Diogo Braz, é vocalista/guitarrista do Eek, grupo de Maceió que lançou recentemente seu primeiro trabalho, Fantasia de Equilibrista, o disco mais vendido até agora na Banquinha Popfuzz. Diogo está animado com o sucesso de vendas naquele espaço. “A Banquinha é uma iniciativa digna de elogios. É uma alternativa muito interessante para os artistas. Se a dificuldade é fazer o seu disco chegar ao público, a banquinha vai justamente aonde o público está: em eventos culturais. Seu disco está ali disponível, com preço acessível, para um público interessado em consumir música. Não são os amigos e a família comprando, entende?â€

Fantasia de Equilibrista foi bem recebido mesmo. Estive no show de lançamento e comprei o meu exemplar na banquinha, que passou vários dias tocando no meu aparelho de som. A banda também disponibilizou o disco para download gratuito no Banco de Cultura do Overmundo. Segundo Diogo, a internet é uma ferramenta indispensável, aliada do artista independente na difusão do seu trabalho. “Com a internet, seu disco chega a qualquer parte do mundo sem pagar Sedex. Por isso que a gente disponibilizou o nosso disco inteiro no Overmundo. Como dizia Milton Nascimento, ‘todo artista tem de ir aonde o povo está’, e hoje o povo está navegando na internet, os números dizem isso. O Overmundo nos interessa por ser um site construído de forma colaborativa por pessoas que podem nos dar um feedback interessante do nosso trabalho. Mas o interessante é que há a possibilidade de semear nossas canções em diversas plataformas e esperar pra ver o que nasce dali.â€

Diogo reconhece que a internet não resolve todos os problemas sozinha. “No panorama atual, com tanta informação circulando pela rede, é complicado conseguir alguma atenção do público e da crítica especializadaâ€, reclama. Daí a importância de haver gente interessada no negócio da distribuição de discos independentes. “Os caras do Popfuzz têm bandas, sabem e vivenciam os entraves nesse processo de distribuição e acabam tendo ótimas soluções para contorná-losâ€, elogia.

Assim como Caíque, Diogo também faz suas sugestões aos Correios: “Um ponto que eu acho importante é que não existe, pelo menos eu desconheço, alguma tarifa especial dos correios para envio de CD, como há o ‘registro módico’, para livros ou impressos. Com taxas de correios mais baratas, creio que ficaria bem mais viável a distribuição feita pelas próprias bandas. Contatos, endereços, a gente arranja na internet, mas para mandar pelos Correios acaba ficando caroâ€.

Basicamente, a diferença entre a Banquinha Popfuzz e as antigas lojas de discos é que a banquinha vende os discos do Diogo, os meus, e dos outros compositores independentes, locais e de outros estados, sem lugar para o produto pirata ou mainstream. Um novo caminho está sendo traçado.

*Esta matéria foi editada e faz parte da edição nº 1 da Revista Digital Overmundo.

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Caíque e a Banquinha Popfuzz
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