As penas de Augusto

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Bruno R · João Pessoa, PB
3/7/2009 · 3 · 1
 

Quem é paraibano está acostumado a ouvir que só damos valor aos artistas da terra depois que eles alcançam prestígio fora. A trajetória de Augusto dos Anjos confirma esse chavão. O poeta desfrutou de certo reconhecimento ainda em (sua curta) vida, mas lá fora.

É essa a conclusão que se tem ao ler "Augusto dos Anjos e sua Época", um pouco conhecido levantamento ensaístico da vida do poeta lançado por Humberto Nóbrega, em 1962 (foto). O livro é bastante rico em documentos, dados e depoimentos.

No Exílio, o prestígio
1910 é o ano decisivo. O engenho Pau D’;Arco e praticamente todos os bens dos Carvalho Rodrigues dos Anjos são vendidos para liquidar dívidas da família. Em uma palavra: falência. Augusto, recém-casado, sustentava a casa com o salário de professor substituto do Liceu Paraibano e dando aulas particulares. Então ele se desentende com o presidente da província e perde o cargo. Sem emprego, faz as malas e vai morar com a esposa Ester no Rio de Janeiro.

Contingências econômicas, portanto, foram responsáveis pela sua mudança para a então capital da República - a maioria dos seus irmãos, aliás, também foi embora do estado. Se Augusto tivesse permanecido na Paraíba, jamais teria sido reconhecido (inter)nacionalmente como o poeta que foi. Não teria sido mais que um simples docente e nós nunca teríamos conhecido uma das mais originais líricas da literatura.

Sua vida no Rio não foi confortável. Duro, tinha que ensinar em dois colégios (ginásios) e ainda dar aulas particulares a filhinhos de papai. Mas, se financeiramente sua estada de quatro anos na dita cidade maravilhosa não foi das mais tranqüilas, para sua trajetória literária foi fundamental.

Em pouco tempo o poeta já gozava de um relativo prestígio nos círculos intelectuais do Rio de Janeiro, mesmo possuindo um estilo bem diferente dos seus pares simbolistas e parnasianos. Foi somente lá que ele lançou seu (único) livro. Antes, vivendo entre a Paraíba e o Recife, onde cursou Direito, só publicava contribuições esporádicas em jornais.

O "Eu", pelo que consta, foi bem recebido pela crítica, tendo sido publicadas resenhas em vários jornais da então capital federal. Vejam este depoimento de um intelectual gaúcho para uma revista datada de 1913:

"Na opinião de minha humildade, o príncipe dos poetas brasileiros, que ainda há de ser imperador, quando menos jovem e mais expungido de demasias, tem o nome soleníssimo de Augusto dos Anjos, mais um augusto na linha dos anjos a que se prende um tal de Baudelaire (...)"

Já outro afirmou que "entre nós, hoje, o tipo mais complexo de 'Novo' é Augusto dos Anjos, o iniciador duma poesia que causou espanto aos resignados e mansos adeptos dos assuntos imutáveis".

Quando da sua partida para Leopoldina-MG, novamente lá estavam os periódicos cariocas a noticiarem a mudança de endereço do poeta (mais uma vez por motivos financeiros, diga-se de passagem - Augusto foi contratado como diretor de um grupo escolar naquela cidade).

"Testamento"
E por falar em Leopoldina, nos poucos meses em que viveu lá - ele morreria no mesmo ano, 1914 - Augusto recebeu um tratamento de pop star. As variações do seu estado de saúde, quando ele contraiu pneumonia, por exemplo, eram diariamente informadas por um jornal local: "O Dr. Augusto apresentou melhoras"; "O Dr. Augusto encontra-se bastante debilitado, mas há ainda há esperanças"...
Estudioso e artista compulsivo, nem acamado e profundamente doente Augusto deixou de lado os hábitos de ler e produzir. Quando já não podia escrever, ainda ditou um soneto inteiro ao padre que foi lhe dar a extrema-unção.

Vendo o fim se aproximar a galope, o poeta parecia antever a imortalidade da sua obra. Sua última frase teria sido: "Essa centelha jamais se apagará", e orientou a mulher em relação aos cuidados que ela deveria dar aos seus poemas. Pouco antes do último suspiro, Augusto chamou Ester e fez as seguintes recomendações:

“;(...) pediu-me finalmente que não ficasse aqui, se não a Glória e o Guilherme morriam de pneumonia, como ele, e disse-me que fosse para o Norte. Recomendou-me que guardasse com cuidado todos os seus versos e os mandasse para serem editados no Rio"

Ou seja, para os filhos, Augusto considerou que o melhor seria voltar à Paraíba; já em relação à sua obra, teriam uma melhor sorte no Rio... Na hora da morte, portanto, ele estava mais lúcido que nunca.


Augusto por Augusto

No início do século passado, um certo Licínio Santos realizou um trabalho com o sugestivo nome de "A loucura dos intelectuais", em que distribuiu um formulário a dezoito literatos. Um deles, Augusto dos Anjos. Veja as respostas do poeta:
Nome: Augusto dos Anjos.
Idade: 28 anos.
Profissão: Professor e advogado.
Filiação: Filho legítimo de Alexandre R. dos Anjos e D. Córdula C.R. dos Anjos.
Estado Civil: Casado.
Antecedentes hereditários: Meu pai, vítima de trombose, morreu de paralisia geral, e minha mãe é excessivamente nervosa.
Antecedentes pessoais:*
O que me pode adiantar sobre sua infância: Desde a mais tenra idade eu me entreguei exclusivamente aos estudos, relegando por completo tudo quanto concerne ao desenvolvimento, numa atmosfera de rigorosíssima moralidade, da chamada vida física.
Onde e como foi educado: Na Paraíba do Norte, Engenho Pau D’;Arco**.
Quais os autores que mais o impressionaram: Shakespeare e Edgar Poe.
Qual o seu autor favorito: Todos os bons autores me agradam.
Como faz o seu trabalho intelectual: Durante o dia, quase sempre andando no meio de toda azáfama ambiente ou à noite deitado. Conservo de memória tudo quanto produzo. São muito poucas vezes que me sento à mesa para produzir.
Quais as horas que dedica ao seu trabalho intelectual: Não tenho horas metodicamente preferidas para o meu trabalho mental.
O que sente de anormal quando está produzindo: Uma série indescritível de fenômenos nervosos, acompanhado muitas vezes de uma vontade de chorar.
Em que idade começou a produzir: Se me não falha o poder de reminiscência, presumo, comecei a produzir muito antes dos 9 anos.
Quais as cores de sua predileção: Vermelha e azul.
Quantas horas repousa: Varia de 7 a 8 horas.
Sofre de insônia, cefaléia e amnésia: Até esta data não sofro absolutamente de amnésia. Tenho insônia raras vezes, mas a cefalalgia persegue-me constantemente.
Tem continuados sonhos fantásticos: Muito raramente.
Faz as suas refeições com irregularidade: Sim.
Tem muito apetite: Regular.
Faz uso desregrado do fumo: Não.
Faz uso do álcool: Não.
Faz uso excessivo do café, chá ou outro excitante intelectual: Sou contra os excessos, o que não impede, entretanto, de abusar um pouco de café.

*Augusto deixou o ítem em branco.
** Note que ele não respondeu ao "Como" da questão.

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Cláudia Campello
 

"O que sente de anormal quando está produzindo: Uma série indescritível de fenômenos nervosos, acompanhado muitas vezes de uma vontade de chorar."

...bom saber dele. Nao o conhecia de fato....mas o imaginava assim........sentindo em profundidade todos os seus escritos.

valeu! adorei te ler, Bruno.

bjssssssss;

Cláudia Campello · Várzea Grande, MT 9/8/2009 02:06
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