"Música com os filhos é a maior alegria da vida"

Quando se mudou de Buenos Aires para o Rio de Janeiro no final dos anos 1960, a pianista e professora argentina Estela Caldi jamais poderia imaginar que, 45 anos depois, estaria no palco no Brasil ao lado de dois filhos cariocas – Alexandre e Marcelo, nascidos e criados na música popular brasileira – interpretando os famosos tangos de sua terra natal, e já com um sotaque brasileiro.

Juntos, mãe e filhos formam o Trio LiberTango, que há 17 anos mantém vivo o legado do tango e da música portenha no Brasil e aprofunda o diálogo entre os dois maiores países da América do Sul. Num momento em que as grandes cidades brasileiras começam a receber milhares de migrantes latinos, a música se torna uma maneira de aproximar as pessoas, e muitos têm sido os argentinos, chilenos, bolivianos, venezuelanos, mexicanos, entre outros, que têm lotado as apresentações do grupo.

Por sinal, os ingressos já estão esgotados para os próximos concertos do trio, dias 22 e 23 de maio na Fundação Eva Klabin, no Rio de Janeiro. Recentemente o grupo foi sucesso no Festival Internacional de Acordeom, em Belo Horizonte, onde se apresentou para cerca de 1,2 mil pessoas no Grande Teatro do SESC Palladium.

Felicidade

“Fazer música com meus filhos é a maior alegria da vida. Vocês podem imaginar a minha felicidade. Eu fui professora dos dois, e hoje me sinto muito à vontade de ser aluna deles. Com eles, aprendi a não ter tanto medo de errar na música, aprendi que a gente erra e toca pra frente. Quando eu compreendi isso, tocar piano para mim passou a ser muito mais prazeroso�, afirma Estela, que é considerada uma das maiores intérpretes vivas de Astor Piazzolla na América Latina. “É bom se permitir ser guiado de vez em quando�, completa.

O saxofonista e flautista Alexandre Caldi e o acordeonista e pianista Marcelo Caldi são renomados instrumentistas no meio musical brasileiro e criaram uma linguagem própria, cada qual ao seu modo, que aproxima o tango das influências do samba, choro, baião, xote, entre outros. A dupla é responsável pelos arranjos. Por isso, não se assustem se ouvirem um ritmo de quadrilha dentro do famoso tango “Libertango�, de Piazzolla. Mais recentemente, os irmãos também assumiram a veia autoral, incluindo canções próprias no repertório.

Marcelo Caldi, que toca o mesmo instrumento que a mãe, e juntos dividem números de piano a quatro mãos, afirma: “minha mãe será uma eterna professora. Aprendo com ela toda vez que eu a ouço tocar, com seu jeito único de interpretar Piazzolla, além de Villa-Lobos e vários outros compositores�. Já Alexandre confessa: “minha mãe está tocando cada vez melhor, quanto mais o tempo passa, mais ela se supera na interpretação, no refinamento, no requinte, no detalhe... é o exemplo de uma pessoa que se fortaleceu através da música�.

Lágrimas

Os concertos recentes do grupo têm arrancado lágrimas e aplausos prolongados do público, como foi em março na Sala Funarte Sidney Miller e em janeiro na Sala Baden Powell, ambas no Rio de Janeiro. O grupo possui três discos gravados: “LiberTango – a música de Astor Piazzolla� (Delira, 2005), “Cierra tus ojos y escucha� (Delira, 2007) e “Porteño� (Delira, 2010), sendo que o mais recente também abarca obras do tango tradicional de Carlos Gardel como “El Día que me Quieras� (parceria com Alfredo Le Pera e Juan Carlos Calderon), “Por una Cabeza� (com Alfredo Le Pera) e “Mano a Mano� (com José Razzano e Celedonio Flores).

O repertório instrumental do show consagra as quatro estações de Piazzolla, “Primavera Porteña�, “Verano Porteño�, “Otoño Porteño� e “Invierno Porteño�. Outro sucesso revisitado é “Adiós Nonino�.

“O LiberTango quer mostrar que Piazzolla toca fundo em uma imensa quantidade de pessoas, independentemente de suas nacionalidades, o que nos leva a refletir sobre o quanto esse estilo é universal�, resume Estela Caldi.