Som repetitivo e drogas? Que tribo é essa?
Estou falando dos índios Truká, que vivem na ilha Assunção, no município de Cabrobó, em Pernambuco. Segundo dados da Funasa (2006), são cerca de 4.169 índios que mantêm sua identidade religiosa e étnica dançando o Toré (ritual de integração entre os sentimentos indígenas e a natureza, buscando a conexão com a energia divina) , num terreiro marcado por uma cruz. Lá eles passam noite adentro com seus cânticos repetitivos acompanhados de maracás (chocalhos) feitos de cabaças e consomem a Jurema, planta considerada sagrada por diferentes culturas, para encontrar o mundo encantado. A música e a dança para esse povo são o portal para um novo estado psicológico de transcendência coletiva.
Qualquer semelhança com a música eletrônica é mera coincidência? Não, não é. Aí nos perguntamos: qual é a relação entre a cultura dos povos antigos e as recentes festas de música eletrônica? O processo só se modernizou com o aparato da tecnologia. Ao invés de chocalhos, são picapes computadorizadas. Já dizia Lavoisier: nada se cria, tudo se transforma. Na tradição indígena, o xamã é o mediador entre o mundo dos vivos e o mundo espiritual. E para chegar ao outro plano usam plantas com propriedades químicas que alteram a percepção. Como se fosse um xamã, o DJ convida as pessoas a se entregarem a um ritual coletivo da dança. Com seu set-list, manipula os sons. É um chanceler da vibe da galera. Ir a uma festa eletrônica é uma experiência multisensorial, pois o ambiente e as batidas seqüenciais fazem com que você entre em estado de transe. "Você sente sua respiração e seu coração em outro nível", disse a raver Chris Fontes, de 28 anos.
É o arcaico e a tecnologia que se unem, com a música computadorizada, som tribal (repetitivo), luzes psicodélicas, dança primitiva e, para alguns, o uso de drogas. Para encantar ainda mais, tem pirofagia e circo – isso no caso das raves. Para reforçar essa relação xamãnica temos o fato de que o Ecstasy (bala) e o ácido lisérgico (doce) são substâncias presentes em toda a trajetória da música eletrônica, tendo a mesma finalidade dos rituais indígenas.
Há os que não aprovam. O DJ brasileiro mais votado do site americano www.thedjlist.com, Doctor Gil, é contra o uso de drogas na balada. "Todo mundo sabe que consumir drogas não é legal. Por que estragar uma boa noite, com um bom DJ, boas pessoas... por uma droga? Acho ridículo", afirma.
Já o mestre em comunicação e cultura contemporânea pela Faculdade de Comunicação da Bahia (Facom - UFBA) Cláudio de Souza acredita que a cena hoje comporta usuários e não usuários de drogas, defensores e não defensores, mas a concepção de "estado alterado" estará sempre presente nesse cenário. A relação entre algumas culturas indígenas e a cultura urbana da e-music são interligadas diretamente no conceito de prazer e elevação do estado de espírito. O ponto mais crítico e polêmico é quando falamos de drogas. Cabe a cada um decidir se usa ou não. O que nunca pode se perder é o lema criado pelo DJ Frankie Bonés, em 1992: Plur - peace, love, unity and respect (paz, amor, unidade e respeito).
No livro Altered State, o escritor Mattew Collin diz que a e-music é o uso da tecnologia para acelerar a percepção do prazer. É uma forma de se libertar da experiência mundana do dia-a-dia e viver várias visões de drama, vitalidade e alegria.
(Matéria publicada na Revista HOUSE MAG - Edição de Setembro)
Quer saber mais do universo da House Music e o cenário da música eletrônica entre no site www.housemag.com.br
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http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=31723962
Enjoy!!!
oi Danielle:
só uma dica: sobre música eletrônica e xamanismo, vale a pena conhecer o trabalho do Pedro Peixoto Ferreira, disponível neste link
abraços
Oi Daniele.
Que interessante teu texto. Veio muito a calhar. Ano passado escrevi um projeto de pesquisa sobre música e estados alterados de consciência. Na época não conhecia a Ayahuasca, que tem consumo parecido com o da Jurema. Nos trabalhos, a percussão repetitiva (cíclica) às vezes leva a um lugar onde o tempo não existe. Não tenho dúvida que as raves levam ao transe coletivo. Mas esse assunto é muito extenso, né?
Se puder, visite o link que o Hermano indicou. Já li a tese de doutorado desse cara e é fantástica!
Espero que possamos trocar umas idéias sobre o assunto.
Abraço.
Saudações Daniele!
Ótimo texto!!
Há muito material escrito disponível sobre combate às drogas etc e tal mas pouco fala-se que desde os primórdios das civilizações o uso de substâncias para alterar o estado da consciência é mais uma questão cultural do que uma problemática social, como é abordado/tratado hoje pela grande mídia.
Defendo o uso das 'coisas' com responsabilidade. Da vida, por exemplo, que é o bem mais valioso e o que tu fazes com ela?
'And did you exchange
A walk on part in the war
For a lead role in a cage?'
Acredito que a 'consaguinidade' entre os consumidores de alteradores de consciência está relacionada com o fato de fazermos parte da mesma árvore histórico-genealógica de 'doidões' das cavernas comedores de cogumelos.
GRANDE abraço!!!
Não consegui acessar o link.
Difícil opinar sobre o assunto quando nunca participei de um ritual xamânico nem nunca fui numa balada eletrônica do tipo supracitado.
Mas como quero emitir uma opinião, penso que é preciso tomar cuidado ao fazer associações entre culturas tão diferentes. Na verdade sabemos muito pouco sobre o que foram os rituais xamãnicos, no que se transformaram após o contato com a civilização e o que resta deles hoje após diversas influências do processo civilizatório.
É preciso ressaltar que os rituais xamânicos parecem ter como ponto central a busca pela interiorização, pelo conhecimento ou pelo contato com um universo superior. Algo bem mais profundo do que a busca do prazer em variáveis não convencionais.
Usar a frase: "som repetitivo e drogas" para buscar um elo de comparação entre rituais xamânicos e baladas eletrônicas pode soar como uma tentativa, no mínimo ingênua, no máximo desrespeitosa, no meio ignorante, de justificar a doiderira dos jovens.
Não condeno a opção de cada um em fazer uso de qualquer coisa desde que não ponha em risco a vida de outros. Mas o que não acho muito legal é falarmos de uma cultura desconhecida apenas no momento em que nos interessa justificar nossas ousadas escolhas (como a de usar drogar como ecxtasi), quando na maior parte do tempo desprezamos sem o menor interesse a essência da cultura nativo-americana.
Por isso julgo a colaboração amadora, sem embasamento e incompetente naquilo que se propõe: traçar paralelos entre culturas diferentes. Diria ainda que é um tanto inconsequente a medida em que expõe com superficialidade um assunto complexo podendo, por isso, sugestionar de forma negativa jovens inexperientes.
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